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Fernanda Nicolini: uma trajetória de superação, fé e serviço à justiça

Fernanda Nicolini: uma trajetória de superação, fé e serviço à justiça


Fernanda Nicolini: uma trajetória de superação, fé e serviço à justiça
Sai de Chico Ruivo, percorre muitos estados e se firma em Santa Catarina, de onde mantem forte conexão com Barros Cassal
Filha de Barros Cassal, partilha sua história conosco, com o intuito de destacar a importância de Barros Cassal em sua vida: “Meu nome é Fernanda Nicolini de Almeida Pereira - Nanda, tenho 39 anos, sou advogada civilista, atuo em Florianópolis/SC e região. Especialista em Direito de Família, sou presidente da Comissão da Jovem Advocacia da minha seccional da OAB e atuo também em algumas outras áreas do Direito - como Direito do Consumidor e Direito Patrimonial.
Minha primeira graduação, entretanto, foi em Pedagogia. Escolha essa fortemente motivada pelo fato de já ter feito o curso técnico em Magistério na época em que residia em Barros Cassal-RS.
Importante frisar que foi no colégio Castro Alves, através da excelência de muitos professores e das vivências práticas que o curso me propiciou que, na época do Magistério, descobri um amor imenso pela docência, pelo constante aprender e pela missão de ensinar. Nessa linda e tão desvalorizada missão, ministrei aulas para turmas do ensino fundamental I nos colégios Madre Cabrini e Boni Consilli, respectivamente na Vila Mariana e na Barra Funda em São Paulo.
Mas, vamos por partes... Não pretendo aqui expor minha biografia completa, mas narrar brevemente alguns aspectos desta, correlacionando com a importância que Barros Cassal tem pra mim.
Saí do município prestes a completar 18 anos, em 2004, quando deixei meu emprego como agente de saúde comunitária e fui morar em Lajeado. Cheia de sonhos, uma boa dose de coragem, em busca de melhores condições de vida e oportunidades que, na época, não encontraria em Barros Cassal. Isso porque meus pais moravam - e continuam morando - numa localidade remota, de difícil acesso devido às péssimas estradas e pontes precárias, Linha Chico Ruivo, o que inviabilizava o deslocamento diário para cidades onde eu pudesse continuar estudando, por exemplo.
Como você, leitor barros-cassalense, já pode presumir, vivíamos da agricultura. Cresci vendo meus pais Erni e Adriana tirando do cultivo da terra e da criação de animais o necessário para nossa subsistência. E entendi, desde cedo, que o principal adubo do solo é o suor sobre ele derramado. Cada centavo retirado das férteis e íngremes terras da nossa localidade, implicava em horas de trabalho pesado e exaustivo com uso de instrumentos rudimentares como foice, enxada, arado etc. Muitas vezes sob o sol escaldante do verão, outras enfrentando geadas, sereno, orvalho ou mesmo chuva – o que ocasionava, inclusive, intoxicação pela nicotina - Doença da Folha Verde do Tabaco. Vi meus pais inúmeras vezes trabalhando doentes, com fortes dores na coluna, por exemplo, porque o ciclo do cultivo não espera ninguém se recuperar para acontecer. E foi percebendo essas dificuldades e por sonhar uma vida diferente que decidi partir. Por mais que eu admire a vida no campo, sabia que aquilo não era pra mim. Em Lajeado trabalhei no SIF - Serviço de Inspeção Federal da Minuano, empresa posteriormente incorporada à Sadia. Pouco tempo depois fui chamada a dar aulas numa escola de computação chamada Digimer.
Nesse período, aos 19 anos, conheci uma congregação religiosa missionária, que me convidou a consagrar minha vida a Deus vivendo o celibato e servindo aos mais necessitados. Idealista como sempre fui, senti um profundo chamado missionário e pouco tempo depois iniciei minha caminhada na vida religiosa. Assim, mudei para Canoas/RS (onde fiz o aspirantado – em meados de 2006); Depois, para São Paulo/SP, na segunda fase, onde dei catequese na zona sul e lecionei nos colégios supracitados, depois, fui para Fortaleza/CE (postulantado – 2007 e 2008); por fim, fui transferida para a última etapa da formação, antes da profissão dos votos religiosos, para Teresina/PI - noviciado nos anos 2009/2010. Foi um período riquíssimo em termos de aprendizado e crescimento e uma experiência da qual não me arrependo minimamente. Apesar disso, minhas convicções pessoais me levaram a repensar essa escolha.
Por certo, até então, os votos de pobreza, castidade e obediência me pareciam fáceis de serem observados, até que houve colisão no preceito da obediência com os dogmas e normativas da Igreja Católica que me fizeram desistir. Explico: ministrava aulas de reforço nessa época, num projeto voltado para crianças em situação de vulnerabilidade social em Teresina. Em concomitância, organizei uma associação de mulheres, mães dessas crianças, para que aprendessem a fazer detergente, sabão e produtos similares para vender e ter alguma renda. Muitas dessas mulheres eram vítimas de violência doméstica, presenciavam maridos abusivos chegando em casa alterados, sob efeito de álcool e outras drogas agredindo os próprios filhos. Por não terem renda própria, acabavam se sujeitando aos abusos pra não deixar os filhos passar fome. Nada de novo infelizmente, mas, há 15 anos não se falava tanto sobre isso.
Enfim, quando fartas disso tudo, tais mulheres reuniam forças suficientes para se divorciarem e buscavam na Igreja um pouco de amparo e acalento, eram orientadas a sentar-se no fundo da igreja e a não comungar, haja vista estarem ‘em pecado’ por terem “quebrado” um sacramento tão sagrado como o do matrimônio. Ouvi relatos de muitas mulheres que se sentiam indignas de estarem ali, envergonhadas diante da fila da qual não poderiam participar. Eram segregadas da Ceia de Cristo no momento em que mais precisavam ser acolhidas.
Sei que são normativas da Igreja Católica que carecem de revisão sob uma ótica mais humana e cristã, mas, naquele momento foi algo que me afetou intimamente e me fez questionar minha fé e minha vocação. Afinal, o Deus ao qual eu estava consagrando minha vida, é um Deus de amor, de justiça, de perdão. Que não exclui nenhum de seus filhos. Ali entrei numa crise existencial e pedi para me afastar por um tempo e repensar se realmente era isso que eu queria pra mim. Faltavam apenas quatro meses para a celebração dos meus votos religiosos na Itália – meu ‘casamento’ com Jesus. E o desligamento, ou seja, ruptura dos votos, após a profissão religiosa, só poderia se dar com a autorização da Santa Sé. De tal modo, me afastei desse projeto vocacional e por fim acabei descobrindo no matrimônio e na maternidade o meu modo de servir a Deus.
Cursei Direito aqui em Floripa, motivada pelo desejo de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Foi também aqui que conheci meu marido Roberto em 2012. Temos dois filhos: Sophia de 11 anos e o Theo de 2 aninhos, ambos ‘manezinhos da ilha’. Minha missão hoje, como advogada, é assegurar que a justiça seja feita em cada caso que assumo. Não meço esforços pra fazer com que o judiciário repare injustiças e que cada um receba, de acordo com a lei, o que lhe é de direito. Como mãe, procuro me doar ao máximo na formação cognitiva, emocional, moral e espiritual dos meus filhos e, como esposa, entendo meu papel de suporte, força e incentivo. Meu marido é meu grande parceiro de jornada. É meu melhor amigo e o meu maior incentivador.
Meu núcleo familiar aqui se restringe a marido, filhos e meu sogro – este, uma pessoa excepcional: aos 86 anos enfrentando um câncer de próstata super agressivo, já com metástase, mas com uma leveza e sabedoria digna dos nobres de espírito. Sempre nos assegura que viverá mais 14 anos pra ver o neto crescer. E a cada aniversário, ele renova esse propósito. Tem respondido bem ao tratamento e é uma grande inspiração pra todos que o conhecem. Além da minha família, tenho nos meus vizinhos do condomínio - em que atualmente sou conselheira - uma rede de apoio ímpar. Sendo alguns deles praticamente quase que como da família também.
Não tenho arrependimentos das decisões tomadas ao longo da minha trajetória até aqui. Tudo me foi motivo de aprendizado e gratidão. Sinto-me profundamente feliz por não ter desistido de mim mesma quando me senti completamente sozinha e cansada - acredito que de algum modo todos já passamos por momentos assim.
Enfrentei sérias questões de saúde, passei por várias cirurgias de 2019 a 2024, mas, hoje estou bem! Desenvolvi depressão pós-parto e, por desconhecimento da doença, encontrei na bebida alcoólica um refúgio e anestesia dos sintomas. Naturalmente, acabei desenvolvendo – devido a isso e à questões genéticas - dependência alcoólica. Foi um período sombrio na minha vida, porque, se para um homem admitir ter problemas com álcool já é difícil e constrangedor, quiçá para uma mulher, mãe e advogada! Bebia escondida dentro de casa e o vício era uma prisão desesperadora. Por dádiva divina encontrei o A.A. - Alcoólicos Anônimos, que me ajudou a entender que se tratava de uma questão de saúde e que não havia porque me envergonhar disso. Mas, que tal condição exigia de mim responsabilidade e comprometimento com minha recuperação.
Assim, com suporte de outras mulheres portadoras do mesmo problema e que já haviam o superado, consegui voltar aos eixos e fiz, finalmente, um tratamento completo e multidisciplinar (suporte dos grupos de ajuda mútua, neurologista, psicólogo e psiquiatra). Por mais que tenha para alguns uma conotação talvez pesada esse assunto, não é uma parte da minha história da qual hoje eu me envergonhe, mas, um motivo a mais que tenho de agradecer pelo dom da superação, inerente à nossa condição humana. Aproveito pra incentivar quem tem o mesmo problema que tive ou que seja familiar de alguém com o mesmo problema, que procure ajuda.
Inclusive me coloco a disposição caso precise conversar ou de mais informações. Hoje em dia existem grupos virtuais – tanto para alcoólatras e adictos quanto para familiares destes - que se reúnem diariamente pra compartilhar experiências, forças e esperanças. E isso, sem dúvidas, é de grande relevância nesse processo de fortalecimento mútuo... Juntos somos mais fortes.
Superado esse tópico, finalizo dizendo que visito minha cidade natal não tanto quanto gostaria. Mas, ao menos uma ou duas vezes ao ano procuro revisitar minhas raízes. Meus tios e tias, meus primos e primas, meus avozinhos amados, meus pais, meu sobrinho, meus ex-vizinhos... pessoas que sempre me recebem com muito carinho, com um chimarrão delicioso, comidinhas maravilhosas da roça e cheios de “causos” pra contar. São pessoas com as quais continuo criando boas memórias.
Tenho muito orgulho de onde vim, sou fã do povo barroscassalense e, sempre que tenho oportunidade, faço questão de dizer que sou de Barros Cassal e que foi com esse povo que aprendi o valor da comunidade, do trabalho, da fé, da honestidade e da família. E confesso que uma das coisas de que mais sinto falta é das festas dos padroeiros com as comunidades retribuindo as visitas e se reunindo pra celebrar sua fé, comer um bom churrasco, dançar bandinhas e vanerões a tarde toda e jogar cartas, bocha, sinuca, futebol ou conversa fora.
Conto esse pequeno trecho da minha história sem qualquer glamourização, na certeza de que todos temos sonhos, virtudes, erros e acertos. Certeza maior de que ser do bem vale muito a pena e que quando confiamos em Deus, Ele se encarrega de nos levar para o nosso lugar de honra: “Entrega teu caminho ao Senhor, confia n’Ele e Ele tudo fará.” (Sl 37:5)
Atualmente estou me preparando para o concurso da Magistratura no desejo de tornar-me juíza federal. Não tenho a presunção de ser aprovada na primeira tentativa, mas, como nada que vale a pena vem de mão beijada, tenho dividido meu tempo entre trabalho (até porque a prática jurídica é pré-requisito), maternidade e horas a fio de muito estudo. Espero que, de algum modo, esse recorte da minha história possa inspirá-los a não ter medo de repensar a rota e lutar pelo que sonham e acreditam. Não permitam que a opinião alheia os limite e jamais comparem sua vida com as do outro - lembrem-se daquela velha máxima: ‘a grama do vizinho sempre parece mais verde’.
Cada um tem seu próprio tempo e seu próprio processo”.
Com carinho e gratidão,
Nanda.
 

Sofia

 

Sofia

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